Perfeccionismo não é uma patologia, mas figura entre as características frequentemente observadas em pessoas com transtornos de ansiedade, alimentares, obsessivo-compulsivo e depressão.

A busca pela perfeição em tudo o que se faz é um traço de personalidade que nos seduz a classificá-lo na lista de virtudes – afinal, o empenho em conquistar o melhor se encaixa tranquilamente nas qualidades de uma pessoa. Mas o perfeccionismo, dentro do que se preconiza na saúde mental, pode romper a linha do bom senso e se tornar algo nem tão louvável assim.

Como patologia, o perfeccionismo não é um diagnóstico por si só, mas figura entre as características frequentemente observadas em pessoas com transtornos de ansiedade, alimentares (especialmente na anorexia), obsessivo-compulsivo e depressão, por exemplo. Ele pode ser tanto um fator de risco quanto de persistência desses transtornos.

– O perfeccionismo é um fator que implica menor resultado no combate aos transtornos de ansiedade, alimentares e da depressão, sugerindo a necessidade de tratamento específico – explica o psiquiatra Leonardo Alovisi Martins, especializado em terapia cognitivo-comportamental.

Mas, afinal, como são as pessoas consideradas perfeccionistas? De acordo com Martins, elas costumam ser muito focadas no trabalho, competitivas e procuram ser as melhores em tudo. São organizadas e apegadas a detalhes. Até aí, nada de mal. Esses são comportamentos que podem ser, inclusive, valorizados nas relações. O problema é quando isso ultrapassa o razoável.

– A pessoa perfeccionista estabelece metas mais altas para si do que a maioria. Ela não aceita de si nada que seja menos do que 100% e não se satisfaz mesmo fazendo as coisas tão bem quanto as demais. Muitas vezes, acredita que precisa ser bem-sucedida em todas as áreas da vida, não suportando falhar ou cometer erros – define Martins.

A psicóloga Elisa Arrienti Ferreira, professora da faculdade de Psicologia Ftec-Ibgen e doutoranda em Psicologia na PUCRS, ressalta que, isoladamente, o perfeccionismo não guarda algo positivo ou negativo. Ela explica que nascemos com traços de temperamento que são manifestados desde a infância.

Aos poucos, o estilo de vida e os modelos que nos são apresentados vão esculpindo essas características. Em quaisquer desses traços, não somente em relação ao perfeccionismo, a rigidez nos comportamentos é que pode trazer consequências ruins às interações.

– Padrões inflexíveis tornam-se problemas. Uma pessoa extrovertida demais, por exemplo, corre o risco de não ouvir os outros, de se tornar inconveniente – exemplifica Elisa.

Centralização e dificuldade de trabalhar em equipe

O perfeccionismo pode impactar tanto nas relações, que pesquisadores até encontraram uma classificação para tentar compreendê-lo melhor. O chamado perfeccionismo pessoal é aquele que diz respeito a como a pessoa se avalia. Demonstra seus padrões excessivamente elevados, as dúvidas, o foco nos erros e a preocupação obsessiva em ter certeza de que tudo está correto. Há também o perfeccionismo social, no qual a pessoa busca demonstrar os padrões que acredita que os outros têm para ela – como ficar sempre preocupada se está atendendo às expectativas dos pais.

Na outra ponta está o perfeccionismo direcionado, quando se tem expectativas excessivamente altas sobre os outros também. Se transferirmos esse traço para o ambiente de trabalho, a figura do perfeccionista é centralizadora e tem dificuldade de trabalhar em equipe. Em um primeiro momento, pode-se esperar que essa postura se reverta em um desempenho notável e na tão valorizada proatividade exigida nas empresas.

Mas isso não é uma regra, e o resultado pode ser exatamente o contrário. Por conta do padrão de excelência que essas pessoas impõem a tudo o que fazem, por vezes deixam de colocar coisas em prática pela própria ansiedade de cumprir a tarefa da forma como entendem ser a mais perfeita. Aí, acontece algo bastante observado em certos perfeccionistas: a procrastinação. Por não aceitarem nada menos do que o melhor, esses indivíduos ou perdem um tempo excessivo no cumprimento de tarefas ou acabam empurrando para depois.

– A gente costuma dizer que o perfeccionismo em sua forma mais rígida faz a pessoa construir um muro que não tem fim. O padrão estabelecido é tão alto que ela nunca acha que está bom. Então, perde tempo demais ou adia, adia, até deixar para última hora, ter de fazer do jeito que dá, criando a ansiedade perfeccionista – diz Elisa.

Matéria Retirada do Jornal Zero Hora, 06/10/2017.